Muitas cidades de Mato Grosso são “filhas da soja”. Nasceram, cresceram e se enriqueceram por causa do agronegócio. E esse processo não chegou ao fim. O vilarejo de Santiago do Norte, a mais de 520 quilômetros de Cuiabá, capital do estado, está vivendo o comecinho dessa expansão.
Os campos de soja avançam em Mato Grosso. Em 2008, o grão ocupava quase 6 milhões de hectares no estado. Em 2017, essa área se agigantou para mais de 9 milhões de hectares. No caminho de 220 quilômetros de Sorriso até Santiago do Norte, pela BR 242, vê-se as grandes planícies das plantações e também a pulverização de herbicidas.
Santiago do Norte recebe gente vinda de longe: do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul. A trajetória dos pioneiros do lugar é a história clássica do nascimento e crescimento de muitas cidades brasileiras.
Desde o século 16, motivos não faltaram para atrair exploradores: o ouro, o ferro, a borracha, o café. Os desbravadores de hoje estão atrás de uma vida melhor em Mato Grosso, através da riqueza da soja.
A soja é mãe de muitas cidades no estado e Santiago do Norte promete ser uma delas. Por enquanto, é apenas um bairro do município de Paranatinga, mas sonha alto e espera ver o que hoje é loteamento transformado em lojas, prédios, casas, armazéns, condomínios fechados, aeroporto e estrada de ferro, para poder transportar a soja até o Maranhão e, de lá, até o outro lado do mundo.
O projeto é do empresário Odir Nicolodi, que diz que quer criar o novo município porque o lugar “está longe de tudo”.
“Eu não posso sair daqui até Sorriso, a 220 quilômetros, ou ir até a sede do meu município, que está a 160. Então, a gente resolveu fazer uma cidade, como tantas outras que foram construídas no Mato Grosso.”
O que hoje é o bairro de Santiago do Norte é apenas um pedacinho na grande maquete que Odir planejou para a futura cidade. “É uma cidade construída para o agro, é do agronegócio que está nascendo. Mas pode vir o pequeno comerciante, que tem um dinheirinho e monta uma padaria, uma farmácia, e ele começa a crescer”, sonha o empresário.
O agronegócio faz a cidade, mas quem a ajuda a fazer é o pequeno. “O médio e grande produtor já estão aqui. Tem soja, tem algodão, tem gado. Então, nós temos que incentivar o pequeno, para ele não sair da terra. Ele tem que estar aqui em roda, produzindo e vendendo dentro da vila”, afirma Odir.
Todos os planos de cidade que estão nos projetos e sonhos de Odir vão caber dentro da fazenda da família dele, numa área de 7,4 mil hectares. A área, que foi comprada em hectares, agora será vendida por metro quadrado, em lotes.
Diego Oliveira da Rosa e Josi Fraga saíram de Igatu, no Paraná, só para conhecer o projeto de cidade.
“A intenção é vir para cá e tentar alguma coisa nova aqui. Chegar e montar um comércio, igual tenho lá [no Paraná] e que é minha área, montar uma de material de construção”, diz Diego.
“Eu sou agricultor lá, mas eu também tinha intenção de vir aqui e montar um comércio, ver o que precisa no município, o que falta aqui e tentar nesse ramo”, emenda Josi.
Quem comanda a única escola de Santiago do Norte é a diretora Manuela Pacheco. Ela saiu de Pato Branco, no Paraná, e mora há 12 anos no lugar. “Vim em 2006. Não tinha luz elétrica, somente gerador 3 horas por dia. Essas foram as dificuldades”, conta.
O pai dela foi transferido para Sorriso e a família deixou o Paraná.
“O Sul fica meio estagnado, não tem para onde crescer, é aquilo e pronto. [Falta] Qualidade de vida, aqui a gente ainda não tem médico, só posto de saúde.”
A escola ainda não está pronta, mas quase. Foram as pessoas da própria comunidade que trabalharam para deixá-la como agora: com paredes de tijolos, vidros, portas, eletricidade. O básico para que os 304 alunos de pré até 9º ano pudessem estudar.
Alunos e professores também vieram de longe. Do Sul, Nordeste, Centro-Oeste.
“A gente tem alunos de todas as classes sociais. Desde de passar necessidade, até alguns de classe alta. Eles têm de conviver [com] tudo igual, não tem escola particular. O tratamento é o mesmo, o uniforme é o mesmo. Isso é nossa diversidade”, diz a diretora.
Se não existisse uma placa, o flamboyant vermelho seria a melhor indicação de onde fica a casa de Leda, a cabeleireira do vilarejo. Ela plantou a árvore há 17 anos, quando chegou por lá. É uma das pioneiras de Santiago do Norte.
“Santiago tinha uma meia dúzia de casa. Na verdade, eu sou meio pioneira entre as pessoas que vieram distante daqui. Porque quando cheguei, eram poucas pessoas do lugar que moravam. A gente veio para cá atrás de melhoria, quando a gente ouviu falar bem do Mato Grosso. Lá, meu marido era agricultor. A gente plantava soja e trigo, no inverno.”
Vez ou outra o casal sofria com a lavoura, no Sul. Em um ano, era geada fora de época. Em outro, um temporal acabava com a colheita.
Ednea e Osvaldo Correa saíram do Paraná há 30 anos para trabalhar na fazenda que Zé Rico, da dupla sertaneja com Milionário, tinha na época. Ela, professora; ele, comerciante. Há 11 anos, chegaram a Santiago do Norte e abriram um açougue.
Marcondes de Campos é hoje cozinheiro do melhor restaurante do local, mas originalmente trabalhava com comunicação. Foi gerente de rádio por 10 anos e trabalhava na área de publicidade.
Ele cuida da comida e a mulher, Claudiana Cestari, administra o empreendimento, que fica na rua principal de Santiago do Norte. Os dois já estão estabilizados e têm uma renda de cerca de 5 salários mínimos por mês, que consideram suficiente para viver bem por ali.
Odir, o empresário que planeja a cidade, já consegue ver o futuro de Santiago do Norte. Enxerga uma catedral para o santo, o apóstolo Santiago, que veio da Espanha, onde hoje só se vê mata. Enquanto ela não fica pronta, a imagem tem o seu lugar na igrejinha da vila, onde a cabeleireira Leda ajuda o padre a rezar a missa.
Enquanto a cidade não vira cidade, os dias ainda terminam com o horizonte largo, de onde ainda se vê o caminhar da chuva.
Fonte: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2019/06/09/santiago-do-norte-o-vilarejo-de-mt-que-quer-virar-cidade-no-rastro-da-soja.ghtml